Eu ainda estava tentando me acostumar com a ideia de escrever idéia sem acento, vôo sem o chapeuzinho do meu avô e parar de acentuar o pára – ainda não parei – quando leio que estão mexendo na nossa língua.
Na verdade, nos nossos ouvidos, porque é lá que dói.
Para quem não tem acompanhado a polêmica, saiu um livro didático aprovado pelo MEC que defende não haver mais necessidade de seguir a chamada norma culta para a regra de concordância.
Um exemplo: “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” estaria correto.
Outro: “Os menino pega o peixe” seria também correto.
Podemos concluir corretamente que “Os menino pega o peixe, mas não pega os livro”.
Quem discordar dessa concordância é linguisticamente preconceituoso.
Como era de se esperar, a cizânia instalou-se na língua culta e o pau comeu na popular.
Ou seja – e é esse o assunto desta coluna -, arrumamos mais um racha para nos dividir e desunir.
Nem sempre foi assim. O erudito e o popular já conviveram e podem conviver com respeito e gentileza.
Uma história real: certa vez, nosso maestro Villa-Lobos foi convidado para conhecer um compositor da Mangueira. Ele subiu o morro e atentamente ouviu o homem cantar e tocar o seu violão.
Terminada a música, o maestro saiu do seu solene silêncio e sentenciou: Tá tudo errado, mas tá maravilhoso!
O compositor mangueirense era ninguém menos que o nosso Cartola.
Autor, entre outras belezas, de “As rosas não falam. Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti... ai”.
Não quero dar ênfase nos plurais, mas aqui eles ajudam na música. E no perfume.
Um exemplo inverso vem da Zona Leste de São Paulo. Onde vive o Arnesto, que nos “convidou prum samba, ele mora no Brás. Nois fumo e não encontremo ninguém. Nóis fiquemo com uma baita de uma reiva. Da outra vez, nóis não vai mais. Nóis não semo tatu”.
Conforme nos ensinou, maravilhosamente errado, nosso singular e querido Adoniram Barbosa. Viva os Brasil.
Texto de Luiz Toleto, Revista 29HORAS de 29 de maio a 29 de junho de 2011
Obs.: é um perigo está sinalizando para uma aceitação oficial, de algo que é aceito informalmente e não aceito nos concursos, por privilegiarem a língua.
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