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terça-feira, 23 de agosto de 2011

366 - SOBRE XADREZ, RELIGIÃO E PRECONCEITO


CARDEAIS JOGANDO XADREZ, PINTURA A ÓLEO (37,5 x 46,5 CM) DE MAX BARASCUDTS
Sou conhecedor que ainda persiste em muitas pessoas o preconceito sobre o Xadrez, notadamente, por acreditarem ser apenas um jogo e até mesmo de azar, algumas pessoas abominam-no, desconsideram-no e reprimem a sua prática. Neste artigo tentarei mostrar como anda a relação xadrez e igreja, com exemplos públicos e pessoais sobre a prática deste esporte.

Era o ano de 2005, estávamos na execução do Projeto Xadrez na Praça. Com muita dificuldade, tínhamos que levar de tudo para o espaço público: mesas, cadeiras, quadro mural, peças, tabuleiros e etc, de repente chega um senhor cuja pele era muita branca. Jogou uma partida comigo e agora não lembro o resultado. Após aquela partida fizemos a nossa apresentação, chamava-se Pastor Anthony e era um Pastor Evangélico. Na ocasião nos deu uma pequena contribuição financeira para o nosso projeto.

Mesmo assim, um mês depois uma aluna evangélica que participava do projeto, desta mesma igreja, após dois meses de estudo, teve que deixar as aulas por proibição dos pastores locais que proibiram terminantemente.

Depois tive conhecimento da chegada de um padre italiano na Igreja de São Francisco, soube que jogava muito bem, mas não consegui jogar com o mesmo.

Assim, ficou uma preocupação quanto a superação desse mito em torno desta prática tão salutar e envolvente. Considerando que este jogo ainda não foi devidamente popularizado em nossa sociedade é, devidamente compreensível que ainda haja preconceito.

Produzindo este texto lembrei-me que no dia 29 de julho encontrei o Padre Mário, da Paróquia de São Francisco e disse-me que havia jogado uma partida que terminou empatada.

Nestes dias recebi a visita de diretor de escola situada no bairro Laranjeiras, procurando professor para o Projeto Mais Educação. E, pertinente a este artigo, recebi a visita de uma ilustre diretora de orientação evangélica procurando um professor de xadrez, por reconhecer virtudes neste esporte.

Em Marabá está ocorrendo procura por parte de importantes Igrejas Evangélicas. É o caso da Assembléia de Deus, ao pensar no desenvolvimento intelectual das crianças. É algo muito interessante e as parcerias somente não foram firmadas, ainda, devido ao pouco quadro técnico do Clube de Xadrez, incapaz de atender a todas as demandas.

Também surgiu o interesse de uma Igreja Batista. Queria promover algumas oficinas para as crianças e adolescentes. A messe é grande e poucos são os operários.


BREVE HISTÓRIA DO XADREZ E RELIGIÃO

A história nos mostra que a religião proporcionou várias mudanças no xadrez. Por várias vezes foi proibida pelo catolicismo e o protestantismo, por ser considerado jogo de azar e atrapalhava a prática religiosa em alguns poucos aspectos.

O islamismo propiciou uma forte mudança ao abolir os dados que naquele tempo determinava a vez de quem deveria jogar, ainda sob a forma do primitivo jogo chaturanga.

Com o tempo a prática foi permitida pelo clero e no século XIII foram escritas as primeiras moralidades utilizando o xadrez como metáfora para o ensino de ética e moral.

As peças foram substituídas na Idade Média, algumas por influencia da igreja. Entrou no tabuleiro o Bispo, retratando a importância da igreja na época. O advento do culto a Maria coincidiu com a ampliação dos poderes da Rainha.

Alguns países influentes e de religião católica: Espanha, Itália e França faziam associações da Rainha com Nossa Senhora. Os países protestantes, Alemanha e Inglaterra optaram apenas pelo termo Rainha.

Profundas mudanças ocorreram também nas regras, agora podia-se promover o peão à Dama, também reguladas pela Igreja Católica mas, também havia uma preocupação quanto a presença de duas Damas no tabuleiro. A promoção foi permitida desde que a Dama estivesse fora do tabuleiro.

No Irã e no Afeganistão, no século XX, suas religiões radicais proibiram a prática do xadrez. Felizmente seus praticantes, via de regra, descumpriam estas imposições.

Por volta do ano 651, quando os árabes dominavam a Pérsia o Profeta Maomé já havia falecido, surgiu uma forte campanha pelos teólogos islâmicos sobre a legalidade do jogo. Segundo a interpretação do Corão, livro sagrado desta religião, devia-se banir todos os ídolos sob a forma de representação de homens e animais. A proibição foi retirada com a confecção de peças com formas abstratas. Também pregavam que o jogo não podia ser praticado por dinheiro e nem utilizar linguagem imprópria.

Mesmo com a desaprovação do Sulaimann ibn Yashar em 725, o jogo tornou-se popular entre os califas, principalmente após a mudança da capital para Bagdá em 750. Na ocasião o califa al-Mahdi enviou uma carta aos líderes religiosos de Meca para extinguir a prática do xadrez e jogos com dados. Mas, faleceu em 780 e seu sucessor al-Rashid era um apaixonado enxadrista. No ano de 810, os árabes eram conhecidamente os melhores enxadristas do mundo e todos patrocinados por poderosos califas.

O xadrez chegou na Europa no século X, ainda era o Shatranj, trazido pelos árabes após a conquista da Espanha. Rapidamente alcançou todo o continente europeu, mesmo com as restrições religiosas, desobedecidas tanto pela corte quanto pelo clero. As proibições perduraram até o século XIV em vários países como França, Inglaterra e Alemanha mas, não impedia o crescimento do número de praticantes.

Em 1322 o jogo começa a ser aceito como passatempo da nobreza. O judaísmo já permitia a prática, desde que não fosse por dinheiro. A Ordem dos Cavaleiros Teutônicos abandonava a proibição e indicava sua prática como entretenimento adequado para um cavaleiro


AS MORALIDADES, O XADREZ COMO METÁFORA

Para o ensino de ética e moral, surgem os primeiros sermões, por volta de 1250, utilizando o xadrez como uma metáfora, as moralidades e se tornaram muito populares na época. A primeira obra foi o Quaedam moralitas de scaccario per Innocentium papum (a Moralidade Inocente), retratando o mundo como um tabuleiro com as casas em preto e branco, representando a vida e a morte, ou a glória e a vergonha, cuja autoria foi atribuída ao Papa Inocêncio III (1163-1216).

Na segunda metade do século XIII diversos sermões foram publicados, o monge Jacobus de Cessolis, um monge dominicano, publicou os sermões Liber de Moribus Hominum et Officiis Nobilium Sive Super Ludo Scacchorum (Livro de costumes dos homens e deveres dos nobres ou o livro de xadrez), que conta o papel dos homens e suas funções dentro da sociedade medieval. O trabalho se tornou popular e foi traduzido para muitas outras línguas, sendo a primeira edição impressa em 1473 e a base do livro The Game and Playe of the Chesse de William Caxton, um dos primeiros livros impressos na língua inglesa. O historiador do enxadrismo Tassilo von Heydebrand und der Lasa encontrou uma cópia desde trabalho em quase toda biblioteca medieval italiana que visitou. Santa Teresa de Ávila publicou o trabalho O caminho da perfeição onde utiliza o xadrez como uma metáfora para o progresso moral, e a Dama como exemplo de humildade, mesmo sendo o jogo desaprovado pela Ordem do Carmo. Santa Teresa foi nomeada a patronessa do xadrez espanhol em 1944 por este trabalho.



ATUALIDADE

A prática do xadrez sofreu oposição do islamismo, por parte do Aiatolá Ruhollah Khomeini do Irã que baniu o jogo do país entre 1979 e 1988 e do movimento Talibã que proibiu a prática no Afeganistão, sob a alegação de serem coisas impuras. Khomeini ao perceber o valor intelectual e educacional do xadrez assinou um decreto religioso (fatwa) permitindo a prática desde que não fosse apostado e não atrapalhasse as orações obrigatórias.

Os Papa Leão X e XIII foram ávidos jogadores de xadrez. Porém, o mais famoso Papa a que se atribui esta prática é João Paulo II. Desde sua escolha para o papado, ele é citado como sendo um excelente jogador.

O maior jogador de xadrez brasileiro de todos os tempos Mequinho teve seu auge no ano de 1977, quando foi considerado o terceiro melhor jogador do mundo, superado apenas por Anatoly Karpov e Viktor Korchnoi. Deixou de jogar em 1978 após contrair uma doença rara e incurável, a miastenia gravis. Entrou para a vida celibataria sendo adepto da Renovação Carismática Católica. O seu retorno aos tabuleiros ocorreu em 1991 com o devido consentimento da Igreja Católica em Roma.



ESCOLAS DISPUTAM CAMPEONATOS COM BONS JOGADORES

No Brasil podemos citar várias instituições escolares que incentivam e promovem campeonatos de xadrez.

Em Jacareí, com total apoio da Prefeitura Municipal, no Estado de São Paulo, começou neste 14 de agosto a X Olimpíada Evangélica, com a participação de 19 igrejas e 700 atletas que participarão de diversas modalidades esportivas, inclusive o Xadrez.

No sábado, 09 de julho foi disputada XXX Olimpíada Evangélica de Xadrez do ABC, vencida pela Igreja Batista Central de Santo André.

O Colégio Evangélico Jaraguá da cidade de Jaraguá, Santa Catarina, realizou no dia 16 de abril o 4º Torneio de Xadrez Colégio Evangélico Jaraguá, com a participação de 80 crianças de 07 escolas diferentes.



RELIGIOSOS

Diversas são as celebridades e personalidades que descobriram as virtudes do xadrez. Compartilho com uma certa satisfação a alegria de dizer que este esporte, acima de tudo, desafiante e interessante, não tem nada de sorte ou de azar, que o preconceito é acima de tudo uma grande injustiça e que precisa acabar.

Veja a lista de muitos religiosos adeptos do xadrez:

Martin Lutero (1483-1546), teólogo alemão, considerado o pai espiritual da Reforma Protestante;

Thomas Becket (1115-1170), arcebispo de Cantuária;

Charles Borromeo (1538-1584)), São Carlos Borromeu, cardeal e arcebispo de Milão;

Gregório VI (970-1047), Papa de 1045 a 20 de dezembro de 1046;

João Paulo I (1912-1978), Albino Luciani, sucessor do Papa Paulo VI;

João Paulo II (1920-2005), Karol Wojtyla, Papa da Igreja Católica;

Leão X (1475-1521), João de Médici, Papa da Igreja Católica;

Leão III (1810-1903), Gioacchino Pecci (o Papa das Encíclicas), Papa;

São Francisco Xavier (1506-1552), fundador da Companhia de Jesus, Ordem Jesuítica, canonizado pelo Papa Urbano VIII;

Inocêncio III, Lottario d’Conti, foi sumo pontífice entre 1198-1216;

Teresa de Ávila (1515-1582), religiosa e escritora, canonizada em 1662;

John Huss (1369-1415)


FONTES:

FILGUTH, Rubens. A Importância do Xadrez. Artmed, 2007.
GIUSTI, Paulo. História Ilustrada do Xadrez. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Ciência moderna, 2006. ISBN 857393517-0
http://olimpiadaevangelica.blogspot.com/2011/06/data-dos-jogos-de-xadrez-natacao-e.html
http://pt.wikipedia.org/wiki/Xadrez_e_religi%C3%A3o
http://www.fmejaraguadosul.com.br/?p=1362
http://www.jacarei.sp.gov.br/noticia/esportes-e-recreacao/2011/08/10/x-olimpiada-evangelica-contara-com-700-atletas/11241
http://www.tabuleirodexadrez.com.br/henrique-mecking.htm
SUNNUCKS, Anne. The Encyclopaedia of Chess (em inglês). 2ª ed. Inglaterra: St Martin Press, 1976. ISBN 0709146973
YALOM, Marilyn. The Birth of the Chess Queen (em inglês). 1ª ed. Inglaterra: HarperCollins, 2004. ISBN 978-0060090647

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